Os óleos vegetais, extraídos de plantas ou de seus frutos, são empregados tanto no consumo doméstico como pelas indústrias de processamento de alimentos em produtos tais como pães, biscoitos, bolos, sorvetes, maioneses, margarinas etc, além de assumirem hoje importância na produção de biodiesel. Entre eles está o óleo de palma, fonte de vitaminas lipossolúveis, muito utilizado na culinária do Nordeste brasileiro, onde é conhecido como azeite de dendê.
Entre os óleos vegetais, o de palma é atualmente o mais consumido no mundo, devido ao seu emprego nas mais diversas formulações de produtos alimentícios industrializados. Oriundo de regiões equatoriais, tem como seus maiores produtores Malásia, Indonésia e Colômbia. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), em 2009, o Brasil produziu 265 mil toneladas de óleo de palma, ocupando apenas a 10ª posição no ranking mundial, embora seja o país com maior potencial de aumento de sua produção. De fato, de acordo com dados da Embrapa, o Brasil possui aproximadamente 30 milhões de hectares disponíveis para o cultivo da palma, quantidade suficiente para triplicar a produção mundial, visto que esta utiliza atualmente 10 milhões de hectares.
Esse quadro, e a substituição progressiva e contínua da gordura vegetal hidrogenada – rica na condenada gordura trans – pelo óleo de palma, justificam as pesquisas desenvolvidas na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, orientadas pelo professor Antônio José de Almeida Meirelles, que visam otimizar os processos envolvidos na purificação e refino desse óleo mundialmente utilizado. Esses foram os propósitos da engenheira de alimentos Simone Monteiro e Silva em trabalho desenvolvido em estágio realizado na empresa belga Desmet Ballestra, em Zaventem, supervisionado por Wim De Greyt, seu gerente de pesquisa e desenvolvimento. Viabilizou-a um programa de co-tutela resultante de um convênio estabelecido entre a Unicamp e a Universidade de Ghent, Bélgica, do que resultou a dupla orientação dos professores Antônio José de Almeida Meirelles e Christian Stevens, da Faculdade de Engenharia da Biociência/UGent. A tese apresentada na Unicamp contou com banca examinadora constituída por membros designados pelas duas universidades, o que garantiu dupla diplomação.
Como a maioria dos óleos vegetais, o óleo de palma deve ser refinado antes do consumo com vistas à remoção de alguns compostos indesejáveis, destacando-se, no caso, os compostos que promovem a coloração avermelhada e o sabor característico do óleo. Esses compostos tornariam o óleo de palma pouco flexível para uso industrial, uma vez que o consumidor rejeitaria uma margarina que não fosse clara ou um sorvete de limão de coloração vermelha. Ademais, as demandas por produtos mais saudáveis e regulamentações ambientais cada vez mais rígidas têm levado ao aperfeiçoamento dos processos de refino. Nesse contexto se situa o trabalho de Simone, cujo objetivo foi investigar o refino físico do óleo de palma com ênfase no seu branqueamento.
IMPORTÂNCIA
Simone explica que os óleos vegetais são importantes componentes nutricionais da dieta humana como fonte de energia, ácidos graxos essenciais e vitaminas lipossolúveis. Contribuem ainda para as características de sabor, aroma e textura dos alimentos e promovem a sensação de saciedade. Constituídos predominantemente por triacilgliceróis, apresentam em níveis menores muitos outros compostos como esteróis, tocoferóis, pigmentos, metais pesados. Parte destes componentes minoritários afeta a sua qualidade e deve ser removida durante as etapas de refino, que pode ser por via química, com a utilização de soda cáustica, ou por via física. As condições operacionais das etapas do processo de refino são decisivas na qualidade do produto (cor, odor, sabor), na sua funcionalidade (composição em ácidos graxos, vitaminas e antioxidantes) e custo final.
O branqueamento constitui a primeira etapa do refino físico de óleos vegetais e tem o objetivo de reduzir o teor de fosfolipídios, evitando o escurecimento do óleo devido às altas temperaturas utilizadas em etapas posteriores; de compostos com cor; e de outros contaminantes. É a etapa mais cara do refino de óleos devido às grandes quantidades do adsorvente utilizado, a chamada terra clarificante, do que resulta um resíduo sólido muito difícil de tratar e sujeito a fortes regulamentações ambientais para a sua disposição.
Depois do branqueamento, o óleo segue para a etapa de desacidificação por via física que envolve elevadas temperaturas, alto vácuo e injeção de vapor de arraste. A temperatura pode levar à formação de compostos indesejados, como os ácidos trans, e à degradação de carotenoides. A temperatura de desodorização, a intensidade do vácuo e a quantidade de vapor de arraste levam à perda de tocoferóis, compostos com atividade de vitamina E. Ou seja, as condições operacionais promovem também a remoção ou degradação de compostos desejáveis como tocoferóis e carotenos (provitamina A). Em consequência, impõe-se que os parâmetros dos processos de refino dos óleos vegetais devem ser ajustados de forma a manter a sua qualidade in natura.
Assim, o trabalho de pesquisa que deu origem à tese investigou experimentalmente ou por simulação o aperfeiçoamento do processo de refino físico de óleos vegetais, inclusas as etapas de branqueamento e desacidificação física.
A PESQUISA
Em uma primeira etapa, a pesquisadora desenvolveu e validou uma nova metodologia para quantificar simultaneamente, e não mais separadamente, carotenos e tocoferóis, dois dos componentes do óleo de palma com valor de vitamina. Essa análise quantitativa deve ser feita tanto no óleo que chega para o processamento, pois as quantidades dessas substâncias variam em função da sua região de origem e espécie de palmeira, como após o refino, que altera essas composições. Os carotenoides, responsáveis pela cor, são removidos para garantir a flexibilidade de uso do produto, embora o betacaroteno apresente a desejável atividade de vitamina A. Os tocoferóis, que constituem a vitamina E, não precisam ser removidos, mas muitas vezes o são com vistas à produção de concentrados destinados ao enriquecimento de alimentos ou produção de cápsulas vitamínicas. Em todos esses casos, a quantificação é importante.
Em uma segunda etapa, a pesquisadora estudou a remoção de fosfolipídios – que o aquecimento pode levar à fixação da cor característica de óleo queimado, comprometendo o amarelo translúcido desejado – e os carotenos – responsáveis pela coloração vermelha –, o que torna o produto versátil para qualquer uso. Com o estudo, Simone visou unificar e padronizar as etapas de refino do óleo de palma com a utilização de um procedimento padrão, em uma planta industrial destinada a seu branqueamento com desenho único, independentemente da origem do óleo.
Os estudos desenvolvidos pela pesquisadora procuraram revelar os mecanismos envolvidos nas várias etapas do processo de branqueamento do óleo de palma, como esclarece o professor Antônio José: “Embora se tratem de processos muito conhecidos, funcionam sem que se saiba muitas vezes porque, e resultaram de tentativas de acertos e erros. Em razão disso, o conhecimento dos mecanismos envolvidos é fundamental para determinar as condições ótimas de operação”. O docente explica que, a cada nova planta industrial construída, há necessidade de estudo do óleo a ser utilizado para a definição do adsorvente mais adequado e das etapas que devem ser seguidas no branqueamento, daí a importância prática de unificação de processos. Os estudos sobre as etapas de branqueamento do óleo de palma desenvolvidos por Simone permitiram entender que a adsorção de carotenos e fosfolipídios pela terra clarificante acidamente ativada ocorre endotermicamente, por via química. Concluiu também que a utilização de novos procedimentos de branqueamento pode levar a obtenção de um óleo mais claro. A investigação ainda levou à sugestão de uma hipótese para explicar como o tipo de terra clarificante pode interferir na coloração do óleo de palma após todas as etapas de refino.
Em outra etapa do trabalho, ela também se dedicou a estudar a desacifidificação do óleo por via física por meio de simulação computacional, com a utilização de dados experimentais disponíveis na literatura. Nesta fase, deu continuidade aos estudos desenvolvidos anteriormente por sua coorientadora, professora Roberta Ceriani, do Departamento de Desenvolvimento de Processos e Produtos, da FEA.
PARCERIAS
O professor Antônio José considera a co-tutela uma tendência que deve orientar as pesquisas na Unicamp e enfatiza a importância desse programa no processo de internacionalização desencadeado pela Universidade. Para ele, esse tipo de iniciativa permite estreitar os laços dos cientistas brasileiros com o mundo e, facilitando a troca de informações, gera um significativo impacto no desenvolvimento das ciências e tecnologias no Brasil. Entende, ainda, que existe um descompasso entre a qualidade das pesquisas realizadas em universidades de ponta do país e o seu reconhecimento no mundo.
“Esse tipo de intercâmbio possibilita o reconhecimento da qualidade da nossa pesquisa no exterior e abre canais para o que se faz aqui, sem o que não se estabelecem entre o nosso país e o mundo os necessários caminhos de duas vias. Estamos muito fechados em nós mesmos e, em decorrência, o impacto do que fazemos não corresponde à qualidade do nosso trabalho”. Ele constata que os alunos da FEA que têm ido para o exterior causam muita boa impressão pela formação, empenho, iniciativa e criatividade, qualidades algumas vezes particularmente desenvolvidas por alunos brasileiros acostumados a trabalhar em condições menos sofisticadas.
FONTE
Tese: “Investigação sobre o refino físico de óleos vegetais para obtenção de produtos de alta qualidade”
Autora: Simone Monteiro e Silva
Orientador: Antônio José de Almeida Meirelles
Coorientadora: Roberta Ceriani
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Jornal da Unicamp
Nayara Souto Maior - Farmacêutica Generalista, Pós-Graduanda em Gestão e Tecnologia Industrial Farmacêutica, atua como Farmacêutica Magistral.
Valdemir Soares - Farmacêutico Generalista e empresário do ramo automotivo.
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