Muitos fitoterápicos trazem a promessa de um sono tranquilo. Nem todos, porém, têm efeito respaldado pela ciência. O Blog Pharmagistral foi apurar no que se pode confiar até o momento.
Quem nunca ouviu falar que tomar um chazinho antes de se deitar ajuda a relaxar e a sonhar com os anjos? Camomila, passiflora, erva-cidreira... Sobram candidatos naturais ao posto de aliado das noites de descanso. Mas uma revisão de estudos capitaneada pela Universidade Monash, na Austrália, constata que, apesar da popularidade das ervas medicinais com propriedades calmantes e sedativas, ainda faltam evidências de peso sobre a eficácia de boa parte delas na hora de espantar a insônia.
Cientistas partiram de 156 artigos, mas tiveram que descartar 138 (sim, 138!) porque eles não preenchiam critérios indicativos de resultados confiáveis. Depois do filtro, analisaram cinco espécies conhecidas indutoras do sono: valeriana, camomila, kava-kava, erva-de-são-joão e lúpulo. As conclusões, como você verá nos quadros ao longo da matéria, pressupõem que o uso varia bastante de acordo com as circunstâncias e que nem sempre a fama faz jus ao efeito.
Segundo o farmacologista João Ernerso de Carvalho, professor da Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista, a dificuldade para rotular cientificamente uma planta de anti-insônia se explica, em parte, pela enorme variabilidade da matéria-prima que vira remédio. "A valeriana cultivada no Brasil não é a mesma que se encontra em Portugal", exemplifica. Para completar, a própria esperança do indivíduo que vai fazer uso do chá ou uma cápsula de fitoterápico interfere consideravelmente. "Nos estudos ligados a esse distúrbio do sono, o efeito placebo, induzido pela mente, chega a 81%", conta o pesquisador.
Já Claudia Moretoni, professora de farmacologia da Universidade Federal do Paraná, acredita que a dificuldade reside mesmo na escassez de experimentos para certificar a segurança e a eficiência das ervas medicinais, bem como o risco de interação com outros medicamentos. Note o caso da passiflora, excluída da etapa de avaliação mais profunda pelos australianos por falta de evidências de qualidade a seu respeito. Não é que não funcione, mas seriam bem-vindos estudos maiores para confirmar seu poder frente à insônia, caracterizada por uma dificuldade recorrente de pegar no sono ou mantê-lo num período mínimo de quatro semanas.
QUANDO A NATUREZA É CAPAZ DE AJUDAR?
O que pesquisas e experts dizem sobre seis plantas com fama de soníferas
KAVA-KAVA
De acordo com a nova revisão científica, a Piper methysticum só manda para longe a insônia deflagrada por estresse crônico. Geralmente utilizada em cápsulas, é mais efetiva se ingerida após as refeições, mas pode demorar algumas semanas para começar a fazer efeito. Só que não é indicada a quem tem problemas renais.
LAVANDA
Essa família de plantas não foi contemplada pelo trabalho australiano porque é mais usada na aromaterapia, e os ensaios clínicos em seres humanos são inconclusivos. Sabe-se, contudo, que seu óleo essencial bate de frente com o estresse e a ansiedade. Se é isso que está fomentando madrugadas em claro, pode deixar a mente mais aberta a bons sonhos.
ERVA-DE-SÃO-JOÃO
A Hypericum perforatum tem mecanismo de ação análogo ao de alguns antidepressivos e, por isso, suas cápsulas combatem quadros de insônia ligados à depressão. Mas o neurologista Leonardo Goulart, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), diz que ela demanda cautela por certa imprevisibilidade durante o uso.
VALERIANA
Segundo a revisão científica, a Valeriana officinalis melhora a qualidade do sono, apesar da carência de provas contundentes em relação ao tratamento da insônia em si. Seria mais eficaz em quadros leves e moderados, especialmente se associada a outros fitoterápicos. É mais segura na forma de cápsulas e contraindicada a portadores de doenças no fígado e usuários de outras drogas sedativas.
PASSIFLORA
Ficou de fora da revisão de estudos australiana pela falta de evidências de qualidade em relação ao seu uso. Originário do maracujazeiro, é um dos fitoterápicos calmantes mais cotados para facilitar o sono, e pesquisas apontam que isso acontece se há uma leve dificuldade para adormecer. Quando existe uma causa mais séria por trás da insônia, a Passiflora incarnata não costuma resolver a vida.
CAMOMILA
"Por sua ação sedativa, é mais aconselhada a pessoas ansiosas", diz a farmacologista Claudia Moretoni. Na análise crítica, a Matricaria chamomilla é outra que pecou pela carência de bons estudos. Mas os experts dizem que seu status de aliada das noites tranquilas não fica abalado se considerarmos o aspecto psicológico em torno do simples ritual de tomar o chá quentinho.
E OS TAIS TRAVESSEIROS COM AROMA?
Ainda não há comprovação sobre a sua eficácia como patrocinadores do sono. O professor João Ernesto de Carvalho acredita que podem prestar auxílio mais por um efeito placebo. E alerta para o risco de alergia, já que muitos modelos são impregnados de óleos essenciais.
- A ação de um fitoterápico também depende do que está por trás da briga com o travesseiro. "A insônia pode ser sintoma de diversas doenças ou mesmo de problemas do cotidiano", observa a farmacêutica Elfriede Bacchi, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Se o alvo está errado, o produto, claro, não vai produzir a resposta esperada. Essa informação nos leva a outro xis da discussão: só dá para apostar em um fito na busca de um sono melhor com orientação médica. É o especialista que vai rastrear a origem da insônia e verificar se, naquele caso, uma infusão ou uma cápsula à base de ervas trariam de fato paz às madrugadas.
O neurologista Rogério Tuma, do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, salienta que estratégias farmacológicas contra esse perrengue noturno só entram em cena quando outras atitudes já foram tomadas e não surtiram efeito. "Primeiro, é preciso diminuir o nível de atenção ao entorno para esquecer as complicações do dia a dia e não levá-as para a cama", diz. Praticar exercícios, ter uma hora de lazer e evitar atividades que estimulam muito o cérebro à noite fazem parte da receita para contrapor o estresse e a ansiedade do que impedem o pregar dos olhos.
Nas situações em que o fitoterápico cai bem, Tuma ressalta que a efetividade é maior no início do tratamento. "Ainda que não viciem, seu efeito é temporário. Com o tempo, o organismo acaba pedindo quantidades cada vez maiores da substância", afirma. Embora os melhores resultados venham com fitos em cápsulas, o neurologista lembra que infusões de ervas e flores, sem cafeína!, dão um empurrão para o sono por ajudar a relaxar. No entanto, se uma insônia pra valer acaba com o sossego, muitas vezes os chazinhos nem fazem cócegas. Daí, se o médico julgar adequado, o jeito é apelar a fitoterápicos de farmácia (ou remédios alopáticos até), considerando contraindicações. Com uso criterioso, as plantas podem, sim, inaugurar o caminho rumo a noites de sonho.
Nayara Souto Maior - Farmacêutica Generalista, Pós-Graduanda em Gestão e Tecnologia Industrial Farmacêutica, atua como Farmacêutica Magistral.
Valdemir Soares - Farmacêutico Generalista e empresário do ramo automotivo.
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