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FITOTERAPIA: QUANDO VALE A PENA?

Prestigiados pelo governo, os remédios à base de plantas invadem o SUS e estão em alta nos centros de pesquisa. Mas em que situações eles seriam mais indicados que medicamentos convencionais? Entenda o que gira em torno dessa pergunta.

  Num país reconhecido pela flora gigantesca de mais de 43 mil espécies e pela cultura de remediar os males do corpo com a ajuda das plantas, não deveria espantar o apoio que o Ministério da Saúde tem dado à fitoterapia. Apoio, sejamos claros, não a qualquer chazinho, mas a medicamentos (cápsulas, extratos, pomadas...) feitos com vegetais. No ano passado, o governo ampliou para 12 os fitoterápicos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde, o SUS - há opções contra colesterol alto, gastrite, dor nas costas... e todas precisam de receita médica. É um número que deve crescer nos próximos anos.

  "Trata-se de uma demanda da própria população, e os critérios para a escolha dos fármacos envolvem o quanto os problemas de saúde a serem tratados por eles são comuns entre os brasileiros, bem como evidências científicas de segurança e eficácia", diz Miguel do Nascimento Júnior, diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde. Os fitoterápicos do SUS - assim como todo aquele que se preze - possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que revisou suas regras a fim de facilitar, tentando não perder o controle de qualidade, a produção dessa classe terapêutica. 
  Diante desse estímulo e da maior popularização dos remédios naturais, algo mais sedimentado em nações como os Estados Unidos, brota uma pulga atrás da orelha: será que os fitoterápicos, em algumas circunstâncias, funcionariam melhor que drogas sintéticas? A resposta não é tão simples, dada a complexidade do cenário, que engloba desde a plantação do futuro fármaco até a prescrição em consultório. "Fitoterápicos são bem-vindos, mas exigem rigor idêntico ao da medicação tradicional", afirma Paulo Tarso de Lima, chefe do Grupo de Medicina Integrativa do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

  Em medicina, cada caso é um caso, mas vamos trazer a questão "fitoterápicos versus alopáticos" para o dia a dia usando como exemplo um dos fitos do SUS, o extrato de alcachofra, indicado para baixar o colesterol. Por que um clínico optaria por ele em vez de drogas de praxe, as estatinas amplamente pesquisadas? "Depende do estágio do problema e do conhecimento do médico sobre medicamentos à base de plantas", pondera Nascimento. "De modo geral, os fitoterápicos são utilizados em quadros mais leves ou quando não há resposta à opção sintética", completa, referindo-se também a outras doenças na mira dos fitos eleitos pelo ministério.
  Seguindo o exemplo, não adiantaria em tese, investir na alcachofra diante de taxas elevadíssimas de colesterol. A planta prestaria melhor serviço nas pessoas com níveis não muito acima do recomendado. "É possível recorrer a fitoterápicos para tratar constipação, ansiedade e insônia menos severas, por causa dos poucos efeitos colaterais", observa Lima. "No entanto, precisamos acertar na dosagem para ter o mesmo resultado e avaliar muito bem para evitar interações perigosas com outras drogas".

UMA FLORESTA DE DESAFIOS
  A aposta do governo na fitoterapia revela uma das facetas que diferem nosso modelo do praticado em outros países ocidentais, onde a adoção dessa classe é mais forte na medicina privada. Aqui, enquanto o SUS endossa o segmento, a maioria dos hospitais particulares ainda não tem uma política de uso de plantas, o que, somado a fatores que logo apontaremos, se reflete em um número baixo de médicos a receitá-los. "Na Europa, o mercado de fitoterápicos movimenta 3,5 bilhões de euros e na China, 14 bilhões de dólares, chegando a 30% do total de medicamentos. Já no Brasil a cifra fica em 400 milhões de dólares, correspondendo a pouco mais de 6% do mercado total", contabiliza o tecnologista em saúde pública Paulo Henrique Leda, da Associação Brasileira de Fitoterapia.

  Esse potencial a ser explorado acaba sufocado também por uma resistência dentro dos consultórios. "Nem chega a ser resistência. O problema é que os médicos não conhecem fitomedicamentos", aponta João Massud Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica. São pouquíssimas as faculdades que contam com uma disciplina de fitoterapia em seu currículo básico. Isso faz com que, por cautela, o profissional nem cogite prescrever algo do gênero.

  "Se o médico faz cara feia quanto um paciente pergunta sobre remédios à base de plantas, essa visão se dissemina entre as outras pessoas. E a culpa por esse preconceito veio das próprias indústrias farmacêuticas", analisa Alexandre França, gerente-geral do laboratório Aspen Pharma, que fabrica tanto fitos como drogas sintéticas. "Parece até uma contradição com o que a população brasileira, sobretudo aquela que não está nos grandes centros, costuma fazer: nesse contexto, o indivíduo vai direto para o produto natural", avalia o farmacologista João Ernesto de Carvalho, da Universidade Estadual de Campinas. O Ministério da Saúde não se esqueceu dessa pendência e, como solução, vem oferecendo treinamento aos médicos que atuam no SUS. "Abriremos neste ano mais 600 vagas para formar especialistas aptos a receitar fitoterápicos", anuncia Nascimento.

  Apesar dos esforços, há quem veja com reservas a contínua entrada dos fitos no SUS devido à falta de dados que legitimariam seus efeitos - a lógica para aprovar um comprimido sintético na Anvisa não é a mesma para liberar um extrato vegetal. "No Brasil, temos muita pesquisa básica, em laboratório, mas faltam muitos estudos clínicos, aqueles em que se avalia o fármaco em pessoas", critica Carvalho. "Mesmo na lista do SUS seria preciso analisar melhor os fitoterápicos nos quesitos eficácia e segurança". Nesse ponto, embora o governo estimule as universidades a investigarem as plantas, o problema recai em verba, já que estudos clínicos demandam muito, muito investimento. 

  Por fim, esbarramos no último (e duro) entrave: a padronização dos fitoterápicos.
"Como eu vou garantir que uma versão bem cotada em um trabalho científico é a mesma que receitarei ao paciente?", questiona, Lima. Um extrato abriga diversas substâncias, diferentemente de um sintético dotado de um único ou poucos princípios ativos, o que redobra a necessidade de cuidados desde o cultivo até a produção.
  "Existem muitas variedades de hortelã e, de acordo com o problema, haverá uma mais indicada. Da mesma forma, compostos presentes numa planta podem se modificar e perder sua função dependendo do período em que é feita a colheita", conta João Batista Picinini Teixeira, coordenador do Programa de Plantas Medicinais e Terapias Não Convencionais da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais.

  Aprimorar o controle de qualidade dos fitoterápicos é essencial para garantir produtos páreos a remédios convencionais e que mais médicos, cientes de suas vantagens e desvantagens, venham a prescrevê-los. "O interesse na pesquisa ainda parte mais das Universidades. Não temos uma indústria farmacêutica organizada em fitoterapia. O Brasil, em vez de continuar com chazinhos, precisa investir em medicamentos de verdade à base de plantas", opina a farmacêutica Leonice Tresvenzol, da Universidade Federal de Goiás. Eis um trabalho que requer alianças entre governo, faculdades e laboratórios, capaz de gerar renda e emprego, no campo e na cidade.

  Só não pense que isso significará sempre poupança para o consumidor. A própria decisão do ministério de fomentar os produtos naturais não se pauta por economia. "É mito a ideia de que os fitoterápicos são sempre mais baratos", diz Nascimento. Após passarem por um processo industrial, esses itens podem ter preços similares ou até mais elevados que os sintéticos - o que não deixa de ser um indício de que o médico e paciente terão em mãos remédios mais seguros.
Existem algumas medidas, aliás, para você se certificar de que o fito, seja ele receitado, seja de compra livre, preenche critérios de qualidade. Para começar, fuja do que é vendido em feiras e procure drogarias confiáveis.
  "O grande problema na fitoterapia são as pegadinhas. O produto precisa estar regularizado e aprovado pela Anvisa", diz Ana Cecília Carvalho, coordenadora de Medicamentos Fitoterápicos da agência. "A embalagem deve ter um registro identificado pela sigla Reg/MS e um código composto de 13 dígitos, sempre iniciado pelo número 1", especifica.

UM FUTURO MAIS VERDE?
  Com o objetivo de não empacar tanto a chegada de extratos, xaropes e afins ao mercado, a própria Anvisa mexeu recentemente em suas diretrizes. Agora, os fitoterápicos são divididos em duas categorias: os comprovados cientificamente e aqueles que levam em conta a tradicionalidade do uso - nicho que recebeu críticas justamente por ignorar a chancela de estudos.
  Independentemente dessas regras, fato é que diversos centros de pesquisa, a maioria vinculados a universidades, têm descoberto plantas e moléculas de origem vegetal promissoras para desbancar problemas crônicos e populares, como pressão alta e diabete, e até para males muitas vezes difíceis de tratar, caso do câncer e da infecção por HIV. O caminho até chegar ao consultório e à nossa casa é longo. Mas com verba, estímulo à pesquisa e educação em saúde, poderemos colher bons e novos medicamentos diretamente da natureza.

OS 12 FITOTERÁPICOS DOS SUS:
Alcachofra: má digestão e colesterol;
Aroeira: problemas ginecológicos;
Babosa: queimaduras e psoríase;
Cáscara-sagrada: constipação;
Espinheira-santa: gastrite e úlcera;
Guaco: problemas respiratórios;
Garra-do-diabo: dor nas costas e artrose;
Hortelã: desordens intestinais;
Isoflavona (soja): incômodos da menopausa;
Plantago: distúrbios intestinais;
Salgueiro: dor lombar;
Unha-de-gato: problemas reumatológicos.

APOSTO NESSA PLANTA?
Selecionamos seis fitoterápicos adotados no SUS e recorrentes entre a população para saber quando eles seriam vantajosos.

GUACO:
Esse arbusto tem logo currículo na medicina popular, como antídoto contra perrengues nas vias aéreas. Suas propriedades broncodilatadoras e expectorantes lhe renderam a inclusão no rol dos SUS. Hoje, seu xarope entra como um bom coadjuvante no tratamento de bronquites e infecções respiratórias. Segundo uma revisão da Universidade Federal do Paraná, ainda é preciso identificar melhor suas substâncias e realizar estudos clínicos para testar seus benefícios. "Na maioria dos fitoterápicos, falta documentação sobre efetividade. Precisamos ter trabalhos comparativos para saber se a ação é mesmo do remédio ou da evolução natural da doença", diz a pneumologista da Ana Luísa Fernandes, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

ESPINHEIRA-SANTA:
Típica da Mata Atlântica, ela ostenta o status de planta antigastrite e se apresenta na forma de cápsula ou soluções a serem misturadas em água. "Estudos mostram que os extratos da folha contêm flavonoides e taninos, que atuam na cicatrização do estômago", diz o químico João Paulo Viaja, da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Graças a esses componentes, o fitoterápico ajuda a tratar inflamações nesse órgão e até mesmo úlceras. Em laboratório, ele já revelou que também repele a bactéria H. pylori, capaz de atacar o estômago e nem sempre é fácil de ser eliminada, mesmo com antibióticos. Como as gastrites costumam ser crônicas, a espinheira-santa seria coadjuvante ou alternativa às drogas sintéticas no controle de quadros leves ou moderados.

ALCACHOFRA:
Essa flor comestível, muita apreciada na culinária, fornece ingredientes para um fitoterápico destinado a silenciar desconfortos após a refeição e auxiliar a reduzir os níveis de colesterol. Atenção: embora seja bem-vindo ao corpo e ao paladar, degustar alcachofras em si não surte o mesmo efeito. Estamos falando aqui de cápsulas do extrato da planta, que devem ser receitadas por um médico. "Elas não visam substituir de vez as estatinas, drogas anticolesterol, mas representam, dependendo do quadro clínico, uma opção a pacientes com níveis não muito elevados", diz Miguel do Nascimento, do Ministério da Saúde. Se o exame de sangue apontar colesterol nas alturas, a alcachofra não ajudará a formar um escudo contra desastres cardiovasculares. Mas esse fito seria uma alternativa especialmente nos casos em que as estatinas desatam muitos efeitos colaterais, como dores musculares.

ISOFLAVONA DA SOJA:
Suas cápsulas buscam aliviar sintomas do climatério, período em que vai cessando a produção dos hormônios femininos. "A isoflavona é eficaz para mulheres na menopausa que apresentam sintomas leves ou moderados, como ondas de calor, dificuldades para dormir, mudanças de humor e diminuição da libido", lista o ginecologista Armando Delmato, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu. A reposição hormonal convencional, com drogas sintéticas, não pode ser trocada pelo fármaco à base da Glycine max, a soja. "A isoflavona é mais adequada para os casos em que a paciente prefere usar fitoterápicos ou se existe contraindicação à terapia tradicional com hormônios", diz o ginecologista Rogério Moreno, do Hospital São Luiz, em São Paulo.

HORTELÃ:
Figura carimbada nos chás, a Mentha piperita aparece na lista do SUS por tratar distúrbios gastrointestinais, como quadros iniciais da síndrome do cólon irritável. Suas cápsulas ainda ajudam a brecar gases e enjoos. "Os fitoterápicos originários da hortelã vêm de um extrato cheio de substâncias distintas. Por isso, suas indicações variam bastante", explica a bióloga Flávia Vidal, da Universidade Federal do Maranhão. Essa é uma das características que dificultam a criação de um medicamento padronizado. Assim, ainda não se recomenda hortelã para fazer frente a problemas intestinais mais intensos.

BABOSA:
Muito comum em xampus e cremes, a Aloe vera também é recomendada para sanar queimaduras de primeiro e segundo grau. "Constituintes químicos da babosa, como a barbalodina e aloína, ajudam a cicatrizar e regenerar a pele", diz o botânico Cleber Ferrão Corrêa, da Universidade Católica de Santos no litoral paulista. E a diferença, segundo estudos dessa instituição, é gritante: em cobaias não submetidas ao fitoterápico, a melhora na pele demorou nove a 12 dias. Já naquelas que receberam o gel, o tempo caiu para seis. Prova de que nossa pele sai ganhando se há queimadura. E só esse tecido mesmo. O consumo de alimentos e bebidas com babosa está proibido pela Anvisa, a despeito do motivo de uso. "A planta tem compostos tóxicos que fazem mal quando ingeridos", adverte Corrêa. Daí que a ciência só a autoriza na forma de gel ou pomada.

PROMESSAS DA MATA
Aqui, três exemplos de plantas ainda sob investigação que pretendem combater males sérios e prevalentes.

CARQUEJA:
Pregam que seu chá amargo tem mil e uma utilidades. Em caráter de pesquisa, porém, ela se destaca no combate a piripaques intestinais e estomacais. "A carqueja reduziu a produção de ácidos no estômago de cobaias", relata a biomédica Maria Thereza Gamberini, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Também chama atenção seu papel recém-desvendado no sistema cardiovascular: ela baixa pra valer a pressão arterial. "Tudo indica que a planta interfere em um dos principais mecanismos que levam à hipertensão", diz Maria Thereza, que estudou o vegetal por mais de uma década. Os próximos passos envolvem isolar os princípios ativos e testá-los em seres humanos. Quem sabe não teremos um novo anti-hipertensivo?

AVELÓS:
Câncer, HIV, dor crônica e esclerose múltipla: eis a lista de males que essa planta quer combater. Comprimidos à base desse arbusto, desenvolvidos pelo laboratório nacional Kyolab, já foram testados em mulheres com tumores na mama. E agora os cientistas querem usar princípios ativos isolados para potencializar a ação contra as células cancerosas - sem afetar as sadias. A batalha contra o agente da aids também é vista com otimismo. "Mostramos em estudos com células e macacos que a droga retira do estado de latência os vírus que se escondem. Aliado ao coquetel, isso pode representar um avanço para a cura", conta o farmacêutico Luiz Francisco Pianowski, que coordena os trabalhos.

PATA-DE-VACA:
A árvore aparece em boa tarde do território brasileiro e suas folhas têm fama de controlar a glicose no sangue - daí o apelido exagerado de insulina vegetal. Embora haja indícios de que seu chá regule a carga de açúcar, os pesquisadores penam para obter dados mais concretos. A bióloga Claudete Rempel, da Unidade Integrada Vale do Taquari de Ensino Superior, no Rio Grande do Sul, avaliou a Bauhinia forficata em laboratório e em pacientes diabéticos e notou que, apesar da baixa toxicidade, ela não foi eficaz na hora de equilibrar a glicose. "Tivemos problemas com a adesão dos voluntários para utilizar o chá da forma indicada e na continuidade do tratamento", conta. Mas não é motivo para abandonar a espécie. Claudete já observou substâncias específicas que derrubam a glicemia. Pode ser que a planta atenda à expectativa quando virar cápsula.

Nayara Souto Maior e Valdemir Soares


Nayara Souto Maior - Farmacêutica Generalista, Pós-Graduanda em Gestão e Tecnologia Industrial Farmacêutica, atua como Farmacêutica Magistral.

Valdemir Soares - Farmacêutico Generalista e empresário do ramo automotivo.

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